Para
finalizar esta série, faço um apelo ao principal sentido de crermos
na Bíblia: que ela aponta, unicamente, para Cristo. Entretanto, como
cristãos, em algum momento, nos questionamos quanto a forma que
devemos agir. Obviamente, teria que ser como Cristo agiria. No
entanto, a preocupação de muitos se dá com a salvação e qual o
caminho para ela. Deste ponto surgem os dois extremos: trabalhar e
ganhar o salário ou ganhar o salário e após trabalhar. Analisando
o contexto bíblico, parece que o texto de Tiago 2.26 contradiz a
passagem de Romanos 1:16-17:
Não
me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação
de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego. Porque
no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do
princípio ao fim é pela fé, como está escrito: "O justo
viverá pela fé".
Posso
afirmar, com o aval de boa parte dos cristãos, que as obras citadas
em Tiago 2:26 são evidências da fé, não uma exigência para a
mesma. A implicação vem a seguir, quando queremos ter a certeza,
ainda que nossas forças naturais sejam contrárias à Deus: como
pode o homem, caído, compreender sua própria queda, e ter ideia de
que está fazendo boas ou más obras? Ou, é possível mensurar o
quanto de obras se espera de alguém genuinamente salvo por Cristo?
Se
a reposta fosse para mim, para os pensamentos que tenho a respeito
disso, eu poderia ficar mais tranquilo e preocupado todos os dias.
Tranquilo, pois tenho notado que cada atitude que tenho sempre
carrega algum questionamento de certo ou errado, ainda que eu nunca
haja sempre certo ou sempre errado; e preocupado, por estar fazendo
mais coisas erradas do que certas. Isso me indicaria que, ainda que
eu sentisse dentro de mim que realmente estou em desacordo com as
leis desse mundo, o que seria maravilhoso, posso pensar que minha
queda todos os dias é uma possibilidade, o que me daria
responsabilidades na mesma medida de seguranças.
A
interpretação disso se torna bastante variada, mas sempre caminha
para os extremos. Duas doutrinas comuns atualmente do extremo
despreocupado, a dos Demônios e a do "Pecado Onipotente",
tendem a ser as mais comuns. Quando colocamos a culpa nos demônios,
como se não tivéssemos culpa de nada que ocorresse externamente,
vivemos sem uma preocupação real com as coisas de Deus. O
neo-pentecostalismo, por exemplo, ensina isso. A necessidade de ir a
igreja, para um descarrego básico, se torna tão pertinente quanto
tomar banho ou fazer a barba. Por outro lado, a doutrina do "Pecado
Onipotente" é tão assustadora quanto. Ela diz que somos tão
escravos do Pecado e que o Pecado é algo tão grande que chega ao
absurdo de condenar nossa liberdade, como se o mesmo fosse tão ou
maior em poder quanto a Graça de Deus. Essa blasfêmia faz com que,
por exemplo, existam os libertinos, que possuem tal argumentação:
"Se todos somos escravos do pecado, e a Graça Divina não
podendo salvar a todos, então não há nenhuma participação nossa
e, logo, pra quê se preocupar com alguma coisa?". O falta de
responsabilidades se torna comum nesses extremos. Se fôssemos
desprovidos de consciência, talvez, fosse factível.
Entretanto,
como dormiríamos a noite se convivêssemos com o extremo
preocupadíssimo? Concordo que dizer que existem "méritos"
é um pouco forçado. Responsabilidades é mais aprazível. Se
vivêssemos em função de uma escadaria infinita, onde tenhamos que
tentar chegar ao mais alto, teríamos como rumo apenas a vaidade. Um
rico cristão poderia ter mais "benefícios celestiais" se
doasse milhões para a obra de Cristo do que mil cristãos pobres.
Não há muito o que falar sobre isso. De fato, a salvação nunca se
dará primariamente pelas obras (acrescento que a vaidade não é um
reflexo deste extremo apenas, pois achar que está salvo e livre de
responsabilidades não deixa de ser um tipo de vaidade). Em todos os
casos, os justos viverão pela fé.
A
eleição e a garantia da salvação são pontos ainda mais
polêmicos, ainda que, no meu entendimento, muito do que se
preocupamos são atributos ativos de Deus e não nos pertence
conhecer, então, sem motivo para debates (nesse caso, os extremos
"sou eleito" e "faço muitas obras" são nítidos
exemplos de que, mexendo muito, também chegaremos em vaidades).
Existe, todavia, uma gama de argumentos pueris no debate
arminiano-calvinista, que eu chamaria de malabarismos literários
para puxar de um lado para outro (talvez por conta disso, excelentes
escritores cristãos, como Lewis, Chesterton e Dostoiévski, foram
alheios a este debate). Vejamos o exemplo de 2 Pe 2:20-22:
Porquanto
se, depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo
conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez
envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do
que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da
justiça do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que
lhes fora dado. Deste modo, sobreveio-lhes o que por um verdadeiro
provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito; a porca
lavada, ao espojadouro de lama.
Para
alguns, quem nunca conheceu a Cristo realmente, pode cair (mas cair
de onde?). Outros, dizem que o homem pode receber a Graça e cair
várias vezes, algo que não possui qualquer consistência. Qual
raciocínio devemos seguir? Ao meu ver, apenas a Cristo. A fé, como
ponto de partida, nos faz querer ser como Cristo. Ser como Cristo
seria portanto um reflexo destas obras. Cristo mesmo disse:
"Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a alguns dos meus
menos irmãos, a mim o fizeram" (Mateus 25:40). Aliás, todo
capítulo 25 de Mateus é praticamente um mandamento a sairmos do
banco da igreja e sermos cristãos de fato. Não digo para nos
tornarmos uma Madre Tereza de Calcutá, que ficou mais conhecida pelo
sua imagem de caridosa (e que a tornou "santa") do que pelo
trabalho em si, mas também não nos tornarmos maçônicos e achar
que apenas o nosso meio cristão e "supostamente salvo" é
que precisa de ajuda. A igreja precisa de ajuda, entretanto não foi
para os legalistas ou hipócritas que Jesus veio, mas pelos perdidos.
Quer
faça sentido para alguns ou não, todo o evangelho se resume no que
devemos ser e reconhecer em João 3:16. Reconhecendo o amor infinito
de Deus para conosco, podemos crer em sua justiça. Tendo isso
estabelecido em nossos corações, podemos não só ter esperança na
vida eterna, mas também um desejo de compartilhar esta mensagem.
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