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A individualidade


Antes de começar, eu preciso lembrar de duas coisas: falar sobre a individualidade do homem pode tanto ser uma repetição de algo que já fora dito, o que espero que sim e que ao menos seja um assunto consagrado, como também pode levar a interpretações erradas, principalmente sobre a relação individualidade cristã e comunhão.

Dito isto, o que eu precisaria falar, e que está sujeito a qualquer correção passível, é que, me parece, as pessoas negam que são diferentes, ora por ignorância ora por conveniência. Há movimentos que poderiam ser nomeados aqui, mas prefiro focar apenas no comportamento: uma vez que nada do que fazemos recebe parcela de nossa "própria mão", atribuir a culpa a outros entes ou objetos se torna uma regra geral. Se a culpa da multa é de quem a aplicou em mim, independentemente da situação, então ela nunca deveria ser aplicada aos outros. Se a culpa de não termos pego guarda-chuva num dia chuvoso fosse do objeto em si, por ser um trambolho, ou das nuvens carregadas, por serem inconvenientes, ou da previsão do tempo, por ser superficial, então deveríamos ficar em casa para evitar os "transtornos do acaso".

No Cristianismo, apesar de diversas tensões, é possível notar um questionamento que poderia muito bem se aplicar nesse caso: a culpa dos infortúnios é de quem afinal? Uns dirão que a culpa é de Satanás, e essa vertente costuma enxergar o homem como um ser bom (não como Rousseau, obviamente). Ou, como diria Swinburne, seríamos influenciados por "seres irracionais". Só que invariavelmente. Do outro lado do ringue, há a facção que coloca a culpa estritamente no pecado, o que talvez pareça mais correto, já que é inerente ao homem. Entretanto, como C. S. Lewis observou, isso faria com que nós mesmos fôssemos os demônios, particularmente quando dizemos que o pecado é o culpado de tudo e, então, que nenhuma decisão do homem poderia ser dita "nossa" de fato.

A primeira visão, até onde eu saiba, estaria em descrédito entre os eruditos cristãos, já que é comumente atribuído aos charlatões; ora, Satanás não estaria preocupado em fazer com que você vestisse uma meia azul no sábado, se isso não fizesse a mínima diferença naquele dia. O mesmo pode ser usado para o segundo exemplo, já que, se eu usar uma meia verde em vez da azul, não foi o pecado que deturpou essa escolha insignificante (até aqui, até mesmo os principais teólogos que não flertam com extremismos de ambos os espectros concordariam com a observação). O ponto seria esse: o homem, ou a Criação original de Deus, está apto a responder por algo nessa vida?

Eu acredito que existirá um inferno. Isso pode parecer meio arriscado de lidar, pois, ainda naqueles extremos, posso ser taxado de imprudente, caso evite associar Satanás em minhas más decisões, ou condenado, caso eu diga que minhas mãos pecaminosas tenham feito algo de bom. O que me leva a crer que o segundo extremo da negação da existência do homem, a do pecado, esteja mais próxima de um acerto, dependendo de como eles lidam com o seguinte tópico: a graça de Deus.

Quando lemos o livro de Romanos, temos a certeza de que a graça divina, a manifestação de Sua infinita misericórdia, não é algo que merecemos. É difícil fazer com que os homens, de modo geral, entendam isso. E a eleição de alguns deve se explicar por exatamente isso. Poucos compreendem, poucos se maravilham, poucos, então, aos olhos de Deus, seriam beneficiados pela sua mão poderosa. Agora, diante destes fatos, eu fico pensando: se em algum momento da vida, em que eu experimentasse pensar que não seria salvo por esta graça maravilhosa, e que tivesse contato com alguém que de fato estava coberto pela graça de Cristo, qual seria a principal evidência que seria para mim como a "marca do cordeiro"? Apesar de apenas Deus ter a ciência exata de tal informação, pelo nosso ponto de vista humano, a melhor resposta seria de alguém que negou a si mesmo. Mas dificilmente seria alguém que outro alguém a tivesse negado, ou seja, como se negar a si fosse tão trivial como o movimento celeste. Não consigo ignorar o verbo negar como sendo algo apenas estático (tipo, quando nos convertemos, nos batizamos, comungamos, etc.), mas dinâmico, quando aceitamos minuto a minuto que somos fracos, somos inferiores, apenas pó diante do universo grandiosa criado por Deus. Se negar a si mesmo é uma atitude de reconhecimento, alguém deste mundo a praticou.

O ponto alto desse debate, que gostaria de manter com qualquer um que ler essa reflexão, era a de outra pergunta, da qual sou ainda mais incapaz de responder: se a Criação era boa e perfeita, e se o Pecado venceu isso, a Graça não seria a oportunidade de resgate da obra maravilhosa? Ou então, sendo agora servos da justiça, não teríamos capacidade real de percebermos o quão grandioso é o nosso Deus, nós, por nossa responsabilidade, individualmente, sem que entes ou objetos nos servissem de amparo perpétuo?

O bom (ainda que "bom" seja relativo para um dos extremos) é que, se eu estiver despejando besteiras sem pensar, posso admitir isso, tendo, inclusive, a liberdade de culpar a mim mesmo.


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Sobre Paulo Matheus

Esposo da Daniele, pai da Sophia, engenheiro, gremista e cristão. Seja bem vindo ao blog, comente e contribua!

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