ad

Quando não lembramos da importância dos bons exemplos



É comum que, quando gerações passam, alguns ensinamentos fiquem pelo caminho. A comodidade que o presente nos traz faz com que esqueçamos como nossa sociedade foi formada e quão dispendioso teria sido esse processo. Entretanto, ai está o caminho primário para a queda. Ela pode ser lenta e invisível aos nossos olhos, ainda mais quando lembramos dessa citação de Agostinho com relação a justiça:
"Porventura a justiça é desigual e mutável? Não. Os tempos a que ela preside é que não ocorrem a par, pois são tempos. E os homens - cuja a vida sobre a terra é breve - não sabem harmonizar pelo raciocínio as razões dos tempos passados e dos outros povos, porque delas não tiveram conhecimento direto. Mas podem verificar facilmente pela experiência própria, no mesmo corpo, no mesmo dia e na mesma casa o que convém a tal membro, a tais circunstâncias, a tal lugar ou a tais pessoas. No primeiro caso escandalizam-se, mas no segundo já se conformam." Confissões

Um exemplo que é rico em interpretações errôneas é o chamado período do Iluminismo do século XVIII. Tido para muitos como o momento em que o homem tentou se "desvencilhar de Deus e da influência religiosa sobre o cidadão", ainda que, em sua maioria produtiva, tenha de fato desempenhado esta didática, há de se fazer um adendo: seria esse movimento algo que surgiu simplesmente do nada, assim como surgem do nada as teorias ateístas? 

É compreensível que, pelo fato de terem esquecido a liberdade que a Reforma Protestante proporcionou a sociedade em geral, a colocação de Agostinho seria a melhor explicação por teorias que dissessem que a religião e o próprio cristianismo já não era o essencial para o homem, mesmo que o cristianismo tenha proporcionado anos de avanços tecnológicos e filosóficos. Duzentos anos é um período considerável de esquecimento de tudo o que havia sido planejado e que, por estarem em condições cômodas, simplesmente, seria plausível (e de certa forma detestável) que deixassem certos significados perdidos. 

O ponto que quero chegar é o contexto: não seria a própria igreja contemporânea do Iluminismo culpada pelo surgimento do mesmo? Olhemos com atenção Kierkegaard. O filósofo dinamarquês é conhecido não apenas como o criador do conceito de existencialismo, mas por ter criticado a forma como a igreja da Dinamarca praticava o cristianismo. De origem luterana, a igreja pouco lembrava aquela que havia se libertado da chantagem da salvação da Igreja Católica (indulgências) da época de Lutero, e parecia estar no mesmo sentido, aniquilando a existência do indivíduo, numa espécie de determinismo teológico (quando tudo o que acontece não tem participação nenhuma do homem, está entregue a eventos externos atribuídos a Deus). O filósofo dinamarquês usa a história da fé de Abraão para ilustrar que nós teríamos que ter um papel mais atuante no cristianismo, nunca centralizador, entregando ao Estado as decisões que cabem ao indivíduo.

Essa crítica respinga em nossos dias quando vemos que alguns cristãos desejam que o Estado diga o que devemos fazer. Isso, por exemplo, deu margem ao que aconteceu na Alemanha nazista sob Hitler. Quando abrimos mãos de nossa liberdade intelectual, damos autorização ao outro extremo que se observou após a Reforma: ao sabermos que a salvação não é estritamente pelas obras, logo, também nos eximimos de qualquer responsabilidade individual. Então, tendência é que, se agora não somos escravos do mérito delegado por uma autoridade mundana, somos escravos do silêncio e da obediência, igualmente delegado por alguém superior. 

Os dois extremos são péssimos e promovem a escravidão de nossas decisões, seja pela culpa do dever a cumprir ou pela falta de ter o que cumprir. Hitler promoveu o nacional-socialismo como uma fórmula salvadora, onde o Estado, grande e controlador, daria ao cidadão alemão tudo o que precisasse, fazendo com que todos os frutos do trabalho do povo fossem não méritos de cada um, mas uma benefícios de uma "nação eleita". A igreja, em grande maioria, aprovou a atitude, pois a identidade alemã era a sua igreja nacional (os judeus eram ricos empresários e bancários, por exemplo). Bonhoeffer, um teólogo opositor, disse: "Jesus Cristo, e não homem ou Estado, é o nosso único Salvador". Sua oposição explícita e que partia da própria igreja o condenou ao enforcamento em 1945.

Todos esses exemplos tem algo de comum: o esquecimento. Em algum momento anterior ao extremo, estávamos sossegados, livre do dever de manter tudo bem. É desse momento que não devemos esquecer. Devemos nos apegar ao exemplo familiar no cristianismo, de que tudo o que dizemos reflete de forma hereditária. Bons exemplos devem não apenas se seguidos, mas, acima de tudo, lembrados.



Share on Google Plus

Sobre Paulo Matheus

Esposo da Daniele, pai da Sophia, engenheiro, gremista e cristão. Seja bem vindo ao blog, comente e contribua!

0 Comentário: