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O Lunar de Sepé


Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra…
Em nome da paz não vem!

Mandaram por serra acima
Espantar os corações;
Que os Reis Vizinhos queriam
Acabar com as Missões,
Entre espadas e mosquetes
Entre lanças e canhões!…

Cheiravam as brancas flores
Sobre os verdes laranjais;
Trabalhavam-se na folha
Que vem dos altos ervais;
Comia-se das lavouras
Da mandioca e milharais.

Ninguém a vida roubava
Do semelhante cristão
Nem a pobreza existia
Que chorasse pelo pão;
Jesus Cristo era contente
E dava sua benção…

Por que vinha aquele mal,
Se o pecado não havia?
O tributo se pagava
Se o vizo-rei pedia,
E, até sangue se mandava
Na gente moça que ia…

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra…
Em nome da paz não vem!

Os padres da encomenda
Faziam sua missão:
Batizando as criancinhas,
E casando, por união,
Os que juntavam os corpos
Por força do coração…

Do sangue dum grão Cacique
Nasceu um dia um menino,
Trazendo um lunar na testa,
Que era bem pequenino:
Mas era cruzeiro feito
Como um emblema divino!…

E aprendeu as letras feitas
Pelos padres, na escritura;
E tinha por penitência,
Que a sua própria figura
De dia, era igual as outras…
E diferente, em noite escura!…

Diferente em noite escura,
Pelo lunar do seu rosto,
Que se tornava visível
Apenas o sol era posto;
Assim era Tiarajú ,
Chamado Sepé, por gosto.

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra…
Em nome da paz não vem!

Cresceu em sabedoria
E mando dos povos seus;
Os padres o instruíram
Para o serviço de Deus
E conhecer a defesa
Contra os males do ateus…

Era moço e vigoroso,
E mui valente guerreiro:
Sabia mandar manobras
Ou no campo ou no terreiro;
E na cruzada dos perigos
Sempre andava de primeiro.

Das brutas escaramuças
As artes e artimanhas
Foi o grande Languiru
Que lhensinou; e as façanhas,
De enredar o inimigo
Com o saber das aranhas…

E, tudo isto, aprendia;
E tudo já melhorava,
Sepé Tiarajú, chefe
Que o Sete Povos mandava,
Escutado pelos padres,
Que cada qual consultava.

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra…
Em nome da paz não vem!

E quando a guerra chegou
Por onde os Reis de além,
O lunar do moço índio
Brilhou de dia também,
Para que os povos vissem
Que Deus lhe queria bem…

Era a lomba da defesa,
Nas coxilhas de I-bagé,
Cacique muito matreiro
Que nunca mudou de fé;
Cavalo deu a ninguém…
E a ninguém deixou de a pé…

Lançaram-se cavaleiros
E infantes, com partazanas,
Contra os Tapés defensores
Do seu pomar e cabanas;
A mortandade batia,
Como ceifa de espadanas…

Couraças duras, de ferro,
Davam abrigo e vida
Dos muitos, que, assim fiados,
Cercavam um só na lida!…
Um só, que de flecha e arco,
Entra na luta perdida…

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra…
Em nome da paz não vem!

Os mosquetes estrondeam
Sobre a gente ignorada,
Que, acima do seu espanto,
Tem a vida decepada…;
E colubrinas maiores
Fazem maior matinada!…

Dócil gente, não receia,
As iras de Portugal:
Porque nunca houve lembrança
De haver-lhe feito algum mal:
Nunca manchara seu teto…;
Nunca comera seu sal!…

E de Castela tampouco
Esperava tal furor;
Pois sendo seu soberano,
Respeitara seu senhor;
Já lhe dera ouro e sangue,
E primazia e honor!…

A dor entrava nas suas carnes…
Na alma, a negra tristeza,
Dos guerreiros de Tiarajú,
Que pelejavam defesa,
Porque o lunar divino
Mandava aquela proeza…

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra…
Em nome da paz não vem!

E já rodavam ginetes
Sobre os corpos dos infantes
Das Sete Santas Missões,
Que pareciam gigantes!…
Na peleja tão sozinhos…
Na morte tão confiantes!…

Mas, o lunar de Sepé
Era o rastro procurado
Pelos vassalos dos Reis,
Que o haviam condenado:…
Ficando o povo vencido…
E seu haver… conquistado!

Então, Sepé, foi erguido
Pela mão do Deus Senhor,
Que lhe marcara na testa
O sinal do seu penhor!…
O corpo ficou na terra…
A alma, subiu em flor!…

E subindo para as nuvens,
Mandou aos povos benção!
Que mandava o Céus Senhor
Por meio do seu clarão…
E o lunar da sua testa
Tomou no céu posição…

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra…
Em nome da paz não vem!

~

Esta melopeia (?), ouvi-a em 1902, sofrivelmente recitada por uma velhíssima mestiça Maria Genoria Alves, moradora da picada que atravessa o rio Camaquã, entre os municípios de Canguçu e Encruzilhada.

Aparte as deturpações aberrantes dos vocábulos e a difícil colocação, concatenada dos versos, conservei a forma original, difusa, opaca e, do mesmo passo ingênua e amorável, dentro da qual porém, sente-se que estremece uma idealização, tendente a aureolar a figura do chefe índio, superiorizando-a por um signo misterioso o lunar, mandado divino…

Deixei de parte alguns versos cujo sentido disforme e expressão eram de impossível entendimento e acomodação neste grupo. Relembrança popular do heroico guarani é esta (e procedência?…) a única que até hoje hei encontrado em não pequena perambulação.


Simões Lopes Neto

Lendas do Sul, 1913.

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Sobre Paulo Matheus

Esposo da Daniele, pai da Sophia, engenheiro, gremista e cristão. Seja bem vindo ao blog, comente e contribua!

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