Quanto mais o vento soprava, mais em ruínas ia deixando na cidade de pedra. E se se desmorona quem sabe sobrariam pessoas...
Mas, no entanto, eram as pessoas que faltavam para preencher os espaços, que elas mesmas haviam construído. Faltava, na realidade, o fim deste mistério.
A TV de Lionel parece sua mãe. Ela vive dizendo para ele o que fazer, o que comprar, o que comer. Entretanto, sua verdadeira mãe está na mesma casa. Ela já não dirige mais a palavra para o filho, perderia seu tempo; prefere cuidar de sua filha, que faz um jus ao 'tal mãe tal filha'. O pai de Lionel morreu fazia três semanas... Ainda não era condenável sua atitude. Pior seria qualquer tipo de depressão.
- Lionel, seus amigos estão lá fora te esperando... Faz tempo que não joga futebol com eles. Já falei com sua professora, disse que não precisa ir a aula por enquanto... Mas pelo menos saia lá fora para brincar, eles estão ficando com saudades de você... Pensa neles um pouco... Ta bom, filho?
Ele não se moveu. Esperou um tempo, tornou a situação mais emblemática do que outras. Mas olhou e, ainda que inesperadamente, respondeu:
- Mãe, eu não posso.
Ela não revidou. Foi dar mais uma desculpa aos amigos dele, já havia se acostumado. Mas de sua cabeça não saía essa atitude, que se repetia crucialmente. Pior, para efeitos de loucura, ele botava a culpa na TV:
- Você não entende mãe, eu não posso sair daqui, se sair não vai acabar certo!
- Do que está falando?
- Olha você mesma!
Ela olhava para a TV, mas não via nada de incomum. No entanto, o que mais a preocupava eram as atitudes de seu filho, que aos poucos iam se tornando estranhas e insistentes. Isso é que era incomum...
Mas ele mal explicava o que via. Estava vidrado nas cenas. E não era muito longe... Aliás, era em frente ao seu prédio. Na Oswaldo Aranha...
Olívia espera o retorno de Ricardo e Sônia. Era a melhor forma de procurar ajuda. Mas não a de acalmar a aflição. Agora imagine a situação: você está num dia normal e de repente todos desaparecem. É um pesadelo. Alguns de nossos mais terríveis pesadelos só são considerados assim por parecerem muito com a realidade. Nossas limitações, nossos reflexos... Olívia ainda consegue se impressionar. Vinicius está sentado, indiferente. Não sabia ela se o garoto estava em estado de choque, ou apenas tentando pensar em como ajudar.
Mas de tanto pensar, Olívia ficava ainda mais atribulada. Não havia ninguém em nenhum lugar, e só. Como reverter isso? O jeito era saber o motivo de tudo e tentar reverter. Na verdade, lá no fundo, Olívia estava gostando, aliás, sua vida fora tanto parada que se um dia fosse doente para o hospital, seria inesquecível. Porém, nesse caso fora diferente.
Vinicius já tinha saído da aula. Estava sem ter o que fazer. Pensava que, se não aparecessem rápido os motoristas, os padeiros, os policiais, não teria motivos de ir para casa. Pensava que poderia ser algo ensaiado. Mas nada comprometedor...
Olívia deu um salto que, algum tempo depois, nem que tivessem filmado acreditaria. Viu Ricardo e Sônia saindo do elevador, agora com mais um. Talvez sem fossem os outros 500 mil, não caberiam no elevador, isso é, era apenas mais um na mesma situação.
- Olívia, como está a menina? - pergunta Sônia.
- Está bem, parece um pouco lúcida - Sônia correu para o quarto para vê-la -, e então, acharam mais um?
- Pois é... Ele é o Fábio, o achamos aqui perto na Redenção. Estava estranho quando o encontramos. Parecia desconhecer a situação - respondeu Ricardo.
- Ah é? Seja bem vindo, rapaz. Somos apenas nós seis agora...
Fábio ouviu. Só mais seis. Será que seriam cinco, depois quatro, logo mais ninguém? Será que o mundo desabaria sobre ele? Seria, talvez, um jeito de ser castigado por seu erro, sendo o último a sobreviver, e ter que passar a vida lamentando uma solidão projetada.
Ricardo e Olívia foram para o quarto. Pareciam decidir o que fazer. Era mais importante, no momento, cuidar de Anna. E parecia que Fábio havia captado a idéia. Encaminhou-se ao quarto.
Lá estava ela. Sua amada. Doente. Sentindo a dor que ele era o responsável. Em questão de emoção, muitas vezes, qualquer briga poderia se tornar uma tragédia. No caso dos dois, tinha algo a mais.
Todos deixaram a sala. Sabiam que havia coisas a serem acertadas ali dentro. Não queriam incomodar, pois a moça estava lúcida, e sofria de amor claramente.
Anna levantou-se. Não havia palavras. Apenas olhares. Fábio estava arrependido, Anna estava magoada. E o grande problema era à distância. Dar uma chance? Ou além de destruir com os planos de esquecer a saudade, transformar em ruínas dois sentimentos que pareciam verdadeiros? Estava tudo nas mãos de Anna.
- Me perdoe... - disse Fábio.
Ela o abraçou. O perdoou. O beijou. Estava tudo terminado. Mas agora não os elos, mas a distancia, uma vilã disfarçada de metros e quilômetros, mas que se torna invisível quando há coração. E havia nos dois, de fato.
O prédio estava vazio, ninguém mais estava lá agora. Na verdade não era mais o hospital, e sim o Largo Glênio Peres, entre o chalé da Praça XV e o metrô. Fábio havia corrido, arrependido, dentre as pessoas, para alcançar Anna e pedir perdão ali, antes que tomasse o trem, e partisse para seu destino. Mas por um lado, no meio de uma multidão frenética, tudo havia acabado bem, enfim.
A mãe de Lionel entendera, portanto, tudo. Tinha certeza que o filho não estava errado. Estava apenas vendo algo que só ele compreendia. Seu marido tinha morrido há pouco tempo. Ela encarou de forma tão sublime, imaginando que sua situação seria apenas mais uma... Mas como explicar isso aos filhos.
Fora há muito tempo, quando moça, após beijar seu amado, viu, mesmo estando mais feliz do que nunca, uma menina, no alto de uma janela. Ela estava triste por algo. Ela soube mais tarde que sua mãe havia morrido, seu sobrenome era Vannati. Os pais dela não ficaram muito tempo juntos.
Olhando pela janela, fitando o casal lá embaixo, Anna pode entender, que muito pelo contrário do que pensava, mesmo não sendo Vannati, ou algo parecido, que tudo tinha um elo, algo talvez imutável.
Mas nada como uma coragem para desfazer o que se imagina acontecer. Lionel, mesmo não entendendo muito, fitou sua mãe lá embaixo, com o mesmo casal. Conversavam sobre algo, Anna estava muito séria. O casal conversou um pouco e pareceu dar uma resposta a viúva. Eles não entenderam, a princípio. Eles sorriram depois. Anna chorou. Foi o que percebeu o filho, mas tão logo teve um olhar diferente lá de baixo. Sua mãe lhe jogou um sorriso bem convincente, que parecia ter dado a resposta ao filho. Algo como ‘isso morre aqui’. O casal, aquele mesmo se casou. Foram logo morar em Curitiba. Anna continuou ali. Tinha filhos a criar e talvez seria feliz outra vez.
Lionel cresceu, se casou, com uma mulher chamada Olívia. Logo teve um filho, que colocou o nome de Fabio, em homenagem ao pai. Também teve outro, chamado Vinicius. Lionel era sócio de Ricardo, numa empresa de publicidade.
Todos esses, incluindo a mulher de Ricardo, Sônia, estavam reunidos no nascimento de Vinicius, num hospital. A alegria era tanto entre os padrinhos, e muito mais da avó Anna, que dava a impressão de que só eles estavam no hospital.
Mas, no entanto, eram as pessoas que faltavam para preencher os espaços, que elas mesmas haviam construído. Faltava, na realidade, o fim deste mistério.
***
A TV de Lionel parece sua mãe. Ela vive dizendo para ele o que fazer, o que comprar, o que comer. Entretanto, sua verdadeira mãe está na mesma casa. Ela já não dirige mais a palavra para o filho, perderia seu tempo; prefere cuidar de sua filha, que faz um jus ao 'tal mãe tal filha'. O pai de Lionel morreu fazia três semanas... Ainda não era condenável sua atitude. Pior seria qualquer tipo de depressão.
- Lionel, seus amigos estão lá fora te esperando... Faz tempo que não joga futebol com eles. Já falei com sua professora, disse que não precisa ir a aula por enquanto... Mas pelo menos saia lá fora para brincar, eles estão ficando com saudades de você... Pensa neles um pouco... Ta bom, filho?
Ele não se moveu. Esperou um tempo, tornou a situação mais emblemática do que outras. Mas olhou e, ainda que inesperadamente, respondeu:
- Mãe, eu não posso.
Ela não revidou. Foi dar mais uma desculpa aos amigos dele, já havia se acostumado. Mas de sua cabeça não saía essa atitude, que se repetia crucialmente. Pior, para efeitos de loucura, ele botava a culpa na TV:
- Você não entende mãe, eu não posso sair daqui, se sair não vai acabar certo!
- Do que está falando?
- Olha você mesma!
Ela olhava para a TV, mas não via nada de incomum. No entanto, o que mais a preocupava eram as atitudes de seu filho, que aos poucos iam se tornando estranhas e insistentes. Isso é que era incomum...
Mas ele mal explicava o que via. Estava vidrado nas cenas. E não era muito longe... Aliás, era em frente ao seu prédio. Na Oswaldo Aranha...
Olívia espera o retorno de Ricardo e Sônia. Era a melhor forma de procurar ajuda. Mas não a de acalmar a aflição. Agora imagine a situação: você está num dia normal e de repente todos desaparecem. É um pesadelo. Alguns de nossos mais terríveis pesadelos só são considerados assim por parecerem muito com a realidade. Nossas limitações, nossos reflexos... Olívia ainda consegue se impressionar. Vinicius está sentado, indiferente. Não sabia ela se o garoto estava em estado de choque, ou apenas tentando pensar em como ajudar.
Mas de tanto pensar, Olívia ficava ainda mais atribulada. Não havia ninguém em nenhum lugar, e só. Como reverter isso? O jeito era saber o motivo de tudo e tentar reverter. Na verdade, lá no fundo, Olívia estava gostando, aliás, sua vida fora tanto parada que se um dia fosse doente para o hospital, seria inesquecível. Porém, nesse caso fora diferente.
Vinicius já tinha saído da aula. Estava sem ter o que fazer. Pensava que, se não aparecessem rápido os motoristas, os padeiros, os policiais, não teria motivos de ir para casa. Pensava que poderia ser algo ensaiado. Mas nada comprometedor...
Olívia deu um salto que, algum tempo depois, nem que tivessem filmado acreditaria. Viu Ricardo e Sônia saindo do elevador, agora com mais um. Talvez sem fossem os outros 500 mil, não caberiam no elevador, isso é, era apenas mais um na mesma situação.
- Olívia, como está a menina? - pergunta Sônia.
- Está bem, parece um pouco lúcida - Sônia correu para o quarto para vê-la -, e então, acharam mais um?
- Pois é... Ele é o Fábio, o achamos aqui perto na Redenção. Estava estranho quando o encontramos. Parecia desconhecer a situação - respondeu Ricardo.
- Ah é? Seja bem vindo, rapaz. Somos apenas nós seis agora...
Fábio ouviu. Só mais seis. Será que seriam cinco, depois quatro, logo mais ninguém? Será que o mundo desabaria sobre ele? Seria, talvez, um jeito de ser castigado por seu erro, sendo o último a sobreviver, e ter que passar a vida lamentando uma solidão projetada.
Ricardo e Olívia foram para o quarto. Pareciam decidir o que fazer. Era mais importante, no momento, cuidar de Anna. E parecia que Fábio havia captado a idéia. Encaminhou-se ao quarto.
Lá estava ela. Sua amada. Doente. Sentindo a dor que ele era o responsável. Em questão de emoção, muitas vezes, qualquer briga poderia se tornar uma tragédia. No caso dos dois, tinha algo a mais.
Todos deixaram a sala. Sabiam que havia coisas a serem acertadas ali dentro. Não queriam incomodar, pois a moça estava lúcida, e sofria de amor claramente.
Anna levantou-se. Não havia palavras. Apenas olhares. Fábio estava arrependido, Anna estava magoada. E o grande problema era à distância. Dar uma chance? Ou além de destruir com os planos de esquecer a saudade, transformar em ruínas dois sentimentos que pareciam verdadeiros? Estava tudo nas mãos de Anna.
- Me perdoe... - disse Fábio.
Ela o abraçou. O perdoou. O beijou. Estava tudo terminado. Mas agora não os elos, mas a distancia, uma vilã disfarçada de metros e quilômetros, mas que se torna invisível quando há coração. E havia nos dois, de fato.
O prédio estava vazio, ninguém mais estava lá agora. Na verdade não era mais o hospital, e sim o Largo Glênio Peres, entre o chalé da Praça XV e o metrô. Fábio havia corrido, arrependido, dentre as pessoas, para alcançar Anna e pedir perdão ali, antes que tomasse o trem, e partisse para seu destino. Mas por um lado, no meio de uma multidão frenética, tudo havia acabado bem, enfim.
***
A mãe de Lionel entendera, portanto, tudo. Tinha certeza que o filho não estava errado. Estava apenas vendo algo que só ele compreendia. Seu marido tinha morrido há pouco tempo. Ela encarou de forma tão sublime, imaginando que sua situação seria apenas mais uma... Mas como explicar isso aos filhos.
Fora há muito tempo, quando moça, após beijar seu amado, viu, mesmo estando mais feliz do que nunca, uma menina, no alto de uma janela. Ela estava triste por algo. Ela soube mais tarde que sua mãe havia morrido, seu sobrenome era Vannati. Os pais dela não ficaram muito tempo juntos.
Olhando pela janela, fitando o casal lá embaixo, Anna pode entender, que muito pelo contrário do que pensava, mesmo não sendo Vannati, ou algo parecido, que tudo tinha um elo, algo talvez imutável.
Mas nada como uma coragem para desfazer o que se imagina acontecer. Lionel, mesmo não entendendo muito, fitou sua mãe lá embaixo, com o mesmo casal. Conversavam sobre algo, Anna estava muito séria. O casal conversou um pouco e pareceu dar uma resposta a viúva. Eles não entenderam, a princípio. Eles sorriram depois. Anna chorou. Foi o que percebeu o filho, mas tão logo teve um olhar diferente lá de baixo. Sua mãe lhe jogou um sorriso bem convincente, que parecia ter dado a resposta ao filho. Algo como ‘isso morre aqui’. O casal, aquele mesmo se casou. Foram logo morar em Curitiba. Anna continuou ali. Tinha filhos a criar e talvez seria feliz outra vez.
Lionel cresceu, se casou, com uma mulher chamada Olívia. Logo teve um filho, que colocou o nome de Fabio, em homenagem ao pai. Também teve outro, chamado Vinicius. Lionel era sócio de Ricardo, numa empresa de publicidade.
Todos esses, incluindo a mulher de Ricardo, Sônia, estavam reunidos no nascimento de Vinicius, num hospital. A alegria era tanto entre os padrinhos, e muito mais da avó Anna, que dava a impressão de que só eles estavam no hospital.
PMSS
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