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A HORA DA ESTRELA DECADENTE



Por: Clarice Luftwaffe
Minha mente me despertou antes do alarme. Isso já acabava com meu dia. Levantar antes da ordem estipulada era como chegar primeiro na fila para pagar contas. Arrumei-me e fui andar pelas ruas desta imundícia de cidade. As pessoas têm diversos aromas e destinos, que se cruzam conforme o horário determina. Algumas são pegas olhando para o céu, mas são alertadas por outros que pode ser uma pegadinha do malandro. A convicção no ser humano nos prega muitas peças. Vejo no metrô as mesmas pessoas todos os dias, nem sempre com o mesmo humor do dia anterior. Muitas delas, em seu próprio mundinho naquele momento, leem o jornal, escutam músicas, tiram fotos, tocam violão esperando esmola, distribuem santinhos esperando votos, vendem chicletes esperando saúde bucal. Outras são apenas figurantes, que fazem parte do cenário, nulos, não representam nada, não prestam para nada. São esses, normalmente, que ganham na loteria e nunca mais os vemos. É por isso que não podemos menosprezar ninguém, apesar dos pesares. Mais além, ando pelo centro e vejo a sociedade movimentando as engrenagens do planeta Terra. Tudo no seu tempo. Como um relógio suíço fabricado na China. Vejo os vendedores vendendo, compradores comprando, polícia (não os vejo), ladrões roubando, comerciantes comerciando, eu (passeando). A mulher nervosa atende ao telefone, o mendigo pede seu trocado, cigarros caem fumados, catarros no meio fio, o jovem inexperiente procura um estágio que exige experiência, o presidente discursa na TV prometendo trabalhar 28 horas por dia, o banco cobrando juros sobre juros sobre juros sobre juros sobre juros sobre juros sobre juros, o cheiro da pipoca estrangulando nossos desejos, a chuva que está prestes a chegar e os vendedores que já estão com os guarda-chuvas na mão, o carteiro fugindo dos cães, o assalariado fugindo do leão, o gato dando seu pulo. Imagino se o tempo parasse, se os ponteiros não fossem nossos inimigos no relógio. Acho que não haveria pressa, tão pouco movimento. Ficaríamos inertes, sem reação. Sem ter para onde ir e vir, sem ter o que fazer. Nada faria sentido. Seria como atravessar a rua para chegar ao mesmo lado que se partiu. Matar o frango e não o comer, pois é vegetariano. Os poetas não teriam inspiração, pois viver se tornou leviano. O fotógrafo, que capta o momento único, que já não é mais único. Que monotonia. Acho que seria melhor nem levantar da cama.
Mas dai o despertador desperta de verdade e isso tudo não passava de um sonho. São 10h da manhã. Imagine, eu andando de metrô? Tenha dó!
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Sobre Paulo Matheus

Esposo da Daniele, pai da Sophia, engenheiro, gremista e cristão. Seja bem vindo ao blog, comente e contribua!

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