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O calvinismo holandês

Em memória do último Sínodo de Dort, ocorrido em 9 de maio de 1619 (portanto, há exatos 400 anos), publico esta pequena pesquisa sobre o que isso significou para a vida religiosa contemporânea e posterior dos Países Baixos e outros países sob sua influência.




O calvinismo holandês

Paulo Matheus de Souza

Figura 1: Decapitação de Johan van Oldenbarnevelt, em Haia, norte da Holanda (1619).

No contexto do debate teológico entre calvinistas e arminianos – talvez os dois movimentos mais influentes do período posterior à Reforma no mundo – não há como desprezar o local que seria o palco principal desta divergência. Também conhecida como Países Baixos, pelo fato de alguns territórios se encontrarem abaixo do nível do mar, a Holanda de nossos dias é lembrada popularmente por ser uma terra tolerante ao consumo de maconha e de onde 82% da população nunca ou quase nunca visitou uma igreja; culturalmente, por Anne Frank ou Vicente Van Gogh; na filosofia, com Erasmo e Espinoza; simbolicamente, pelos moinhos de vento, tamancos, diques e as tulipas. Tulipas, estas, não somente as flores.



1 – Contexto histórico e geográfico

Não tão receptiva aos Luteranos durante a Reforma Protestante no século XVI, a Holanda se identificou mais com o Calvinismo através da região de Flanders, ao norte. Próximo dali, em Roterdã, o holandês Desidério Erasmo já havia dado o pontapé inicial na Reforma, publicando críticas a ambos os movimentos sem ser martirizado, por assim dizer (contudo, talvez o mais apreciado pelos reformadores na região neste período tenha sido o germano-holandês Thomas de Kempis, autor de A imitação de Cristo). Calvino e Erasmo, ainda que de gerações diferentes, tinham aspirações em comum, como o humanismo e o interesse por Sêneca [1].


Entretanto, primeiramente, teremos que desenhar a situação geopolítica e religiosa da região naquela época, que não era das mais animadoras: os Países Baixos (dezessete províncias, que falavam três idiomas diferentes e que não formariam o atual país – controlados pela dinastia católica dos Habsburgos – já que hoje, além da Holanda, englobavam também as atuais Bélgica e Luxemburgo) eram dominados pela Espanha, conseguindo a independência apenas em 1588, para se tornar a República dos Sete Países Baixos até 1795, se transformando posteriormente em outros reinos até, por fim, se tornar o Reino dos Países Baixos a partir de 1839. Antes de tudo disso, o território fazia parte do chamado Sacro Império Romano-Germânico, governado por Carlos V (Carlos I da Espanha), o grande opositor da Reforma Protestante, ainda que ele tivesse sido educado na região. Isto até 1555, quando então assumiu seu filho Felipe II, ambos católicos. Apesar da certa autonomia política local concedida pela Espanha, administração feita pelos Habsburgos na região era autoritária na perseguição dos protestantes (mulheres anabaptistas, por exemplo, eram enterradas vivas) e abusiva na questão dos impostos.


O protestantismo na Holanda é oriundo dos movimentos em terras alemãs. O luteranismo foi, neste caso, o primeiro a se apresentar nos Países Baixos, contemporaneamente a Erasmo e Lutero, mas compunha uma minoria. Um pouco depois, o anabatismo desembarcou nas fazendas holandesas, fazendo alguns adeptos, dentre eles Menno Simons [2]. Todavia, a chamada terceira onda do protestantismo, o calvinismo, foi a mais duradoura, a partir de 1540.


A figura mais destacada e que é considerado um pai da pátria holandesa é William I, o Silencioso (1533-1584), príncipe de Orange. Ao lado de outros nobres ricos, William liderou a chamada revolta holandesa contra a Espanha e sua influência nos Países Baixos. Convertido ao calvinismo, o príncipe de Orange desejava a liberdade religiosa – ou a não obrigatoriedade do catolicismo sobre as províncias holandesas. Das camadas mais populares, onde o calvinismo também tinha mais adeptos, uma onda de iconoclastia (destruição de imagens e representações de santos pela Igreja Católica) tomou conta da região em 1566, em uma resposta à Inquisição Espanhola, que já havia executado cerca de 1300 pessoas por heresia. Após essa chamada Revolta Holandesa dentro do império espanhol, William reuniu um exército protestante que logo dominaria os antigos territórios de Zelândia e Holanda, em 1572. Esses dois eventos marcariam o início da guerra dos oitenta anos entre Holanda e Espanha, evento que coincidiria com a mais violenta guerra religiosa da Europa, a Guerra dos 30 Anos, finalizadas em 1648 com a Paz de Münster, atrelado ao tratado de Vestfália.




2 – Estabelecimento do calvinismo

Aos poucos, vários territórios teriam príncipes e a própria população, muitas vezes à força, convertidos ao calvinismo. A Universidade de Leiden, formada em 1575, se tornou um cento de estudos calvinistas após a cidade ser liberta de um cerco militar – cerco este em que um soldado protestante teria dito: “Sabei que temos dois braços e que se a fome chegar a tal ponto, nós comeremos um deles para poder continuar lutando com o outro”. Entretanto, pela censura católica a outras religiões e pela guerra entre Espanha e Holanda ser motivada pelo embate entre “calvinismo x catolicismo”, os territórios holandeses praticavam tolerância para com outros protestantes e os judeus. As ideias do francês Descartes, por exemplo, que viveu grande parte da vida na Holanda, foram censuradas pela Igreja Católica. Ainda que William, o Silencioso, tenha sido assassinado em 1584, a derrota da armada espanhola pelos ingleses tinha dado certa liberdade à Holanda para tratar de seus assuntos teológicos.


Em meio aos conflitos de independência, a primeira confissão de fé holandesa é creditada a Guido de Bres (1522-1567), um pastor da Valónia e estudioso de João Calvino e Teodoro de Beza, tendo como revisor Francis Junius, um pastor calvinista da Antuérpia. A confissão, conhecida como “Confissão Belga”, elaborada em 1561, é em grande parte baseada nas Institutas de Calvino e na francesa Confissão de La Rochelle. Em 1571, um sínodo nacional realizado em Emden definiu a liturgia presbiteriana como administração eclesiástica. A Confissão Belga e a Confissão de Heildelberg foram, por assim dizer, as adotadas pelos Países Baixos.


De todas os outros ramos religiosos, inclusive os jesuítas e reformistas católicos (Jansenistas, sul da Holanda, chamados de “calvinistas católicos”) a partir do início do século XVII, nenhum conseguiu exercer maior influência que o calvinismo em terras holandesas.




3 – Um problema interno

De dentro da própria universidade calvinista de Leiden surgiria alguém que traria a controvérsia que perdura até os dias de hoje. Jacó Armínio (1560-1609), nascido em Utrecht, órfão cedo, tivera uma educação essencialmente calvinista por seus tutores, tanto em Leiden como em Genebra, tendo aulas inclusive com Teodoro de Beza, o sucessor de Calvino. Entretanto, havia uma certa liberdade de pensamentos na Universidade de Leiden, talvez não tão aparente quanto se imaginava. Apesar de poucos, haviam pensamentos oriundos do anabatismo, luteranismo e zwinglianismo, além da influência de Erasmus, Melanchton e até mesmo de Menno Simons. Um de seus professores, Johann Kolmann, por exemplo, já havia alertado que a “excessiva soberania de Deus havia o tornado um tirano e um carrasco”. Caspar Coolhaes (1536-1615), ministro reformado de Leiden, também tinha uma visão contrária a certos aspectos do calvinismo, principalmente na característica teocrática da punição capital de hereges, além de recusar a Confissão Belga, sendo excomungado em 1582.


Armínio foi posteriormente chamado para pastorear em Amsterdã, em 1587. Não é possível dizer quando exatamente Armínio começou a discordar das doutrinas calvinistas (alguns citam que até mesmo em Genebra ele já diferia das opiniões de Beza), mas lhe foi incumbida uma missão que talvez o tenha despertado por um caminho diferente: ele foi empregado pelo Tribunal Eclesiástico de Amsterdã para refutar Dirck Coornhert [3], que rejeitava a doutrina supralapsariana [4] de Beza, mas ao estudá-lo, foi conquistado por seus argumentos. Armínio, ao expor seu ponto de vista, sofreu oposição instantânea de Franciscus Gomarus (1563-1641), teólogo holandês que também era professor em Leiden. Gomarus identificou os ensinamentos de Armínio como sendo pelagianos [5], ou seja, de que o homem por si só poderia se salvar, negando o pecado original e a graça divina. Os dois, inclusive, debateram no chamado Estados Gerais dos Países Baixos (uma espécie de câmara de representação política de cada província holandesa). Armínio, então, sugeriu que deveria haver um sínodo específico para solucionar estas questões.


Em 1609, com a morte de Jacó Armínio, mesmo ano da assinatura da trégua de 12 anos entre a Espanha e Holanda (e que seria o início de um conflito religioso interno), coube a Conrad Vorstius (1569-1622) substituí-lo na Universidade de Leiden e na questão “arminiana”, por assim dizer. No início de 1610, em Haia, um documento em forma de protesto foi apresentado aos Estados da Holanda e da Frísia, elaborado por Johannes Wtenbogaert (1557-1644), que viria a ser um dos líderes dos “Remonstrantes”, colocando cinco pontos essenciais de discordância da doutrina calvinista (ou os chamados Cinco Artigos de Reparação). Em 1611, o movimento contra-remonstrância elaborou um artigo criticando as visões arminianas da salvação, ainda que haja uma controvérsia sobre Armínio no tocante de suas reais afirmações (algumas fontes dizem que ele não rejeitava propriamente a Confissão Belga, o que pode não significar nada já que ela rejeita o pelagianismo, que seria diferente do arminianismo).


As disputas só foram cessadas em um definitivo sínodo realizado durante sete meses de 1619, em Dort, sul da Holanda. Este sínodo, de caráter internacional (alguns convidados eram representantes de igrejas nacionais como a comunhão anglicana e escocesa). Simon Episcopius (1583-1643), teólogo holandês e líder remonstrante, conhecido por combater o caráter excessivamente teórico do cristianismo calvinista, não concordou com as premissas do sínodo e acabou sendo expulso logo no início. Sendo assim, não houve nenhuma rejeição argumentativa com relação aos pontos questionados da Confissão Belga e aos ensinos de Calvino e Beza, surgindo do sínodo os até hoje conhecidos como Cinco Pontos do Calvinismo, integrantes do Cânone de Dort: a Depravação Total, Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível e a Perseverança dos Santos (a sigla mnemônica TULIP, que significa “tulipa”, é usada para resumir os cinco pontos e como símbolo comum do calvinismo).

Figura 2: A trégua dos 12 anos em 4 momentos: (1) a câmara dos Estados Gerais dos Países Baixos, onde houveram as primeiras discussões; (2) o debate entre arminianos e calvinistas; (3) o Sínodo de Dort e; (4) o cânone reformado de Dort.

O sínodo reverberou drasticamente na esfera política. Os remonstrantes estavam protegidos por Johan van Oldenbernevelt (1547-1619), estadista que ocupava o cargo de primeiro-ministro e havia conquistado diplomaticamente a trégua dos 12 anos, além de ter desempenhado papel importante na independência da Holanda. Seu opositor político, Maurício de Orange (1567-1625), filho de Guilherme I, o Silencioso, era um ferrenho defensor dos calvinistas. Identificando a conveniência arminiana do primeiro-ministro como perigosa para os interesses nacionais, Oldenbernevelt e outros personagens importantes tais como o estadista Gilles van Ledenberg e o jurista Hugo Grotius [6], foram presos em agosto de 1618 a mando do Príncipe de Orange. Oldenbernevelt foi decapitado apenas quatro dias após o término das reuniões do Sínodo de Dort, ainda que muitos tivessem pedido clemência e as provas tenham sido infundadas. Ledenberg, que cometeu suicídio antes do julgamento, teve a pena executada e, curiosamente, foi enforcado. Já Grotius conseguiu escapar em um baú de livros com a ajuda da esposa.

Maurício de Orange, após a decapitação de Oldenbernevelt, ficaria fortalecido no poder da Holanda e o calvinismo se tornaria de facto a religião do Estado. Mas suas decisões insensatas levaram a quebra da trégua com a Espanha e a retomada dos conflitos, desta vez sob a alcunha da Guerra dos 30 Anos, a guerra religiosa mais sangrenta da história europeia. Ele morreu em 1625, durante um cerco em Haia.




4 – Colonizações holandesas

O período de colonização holandês se iniciou em 1602, a partir de sua autonomia em relação ao domínio espanhol. Apesar não ter sido tão amplo como os outros impérios ultramarinos, a Holanda conquistou territórios em todos os continentes, inclusive no Brasil. Até 1975, pertenciam a esse império a Indonésia, África do Sul e Suriname. As heranças do idioma ficaram preservados para o Suriname e a Indonésia até hoje. O calvinismo, entretanto, é uma lembrança vaga. No Suriname, menos de 10% dos habitantes são considerados “reformados”, e na Indonésia, cerca de 7%.


O estabelecimento de territórios holandeses durante o século XVII no nordeste brasileiro seja talvez um dos momentos mais emblemáticos do calvinismo no Brasil, se comparado ao seu evento antagônico, a chamada tragédia da Guanabara, pelos huguenotes, ocorrida um século antes no Rio de Janeiro. O poderio do governo holandês, que investia na produção de cana-de-açúcar na região, se mostrou semelhante ao que os primeiros colonizadores portugueses praticaram em solo brasileiro, matando cerca de 150 católicos camponeses de duas cidades do Rio Grande do Norte, por não aceitarem o calvinismo.


Na África do Sul, a herança do calvinismo holandês é mais notório na questão do chamado “calvinismo africânder”, um grupo étnico composto em sua maioria por holandeses e uma boa parte de alemães e descendentes de huguenotes. Eles desenvolveram fortemente a região do Cabo e foram responsáveis por um movimento nacionalista sul-africano, onde até mesmo algumas organizações secretas calvinistas, como o Broederbond (comparado a maçonaria) eram tolerados. Além da escravidão durante o período colonial, utilizada como meio de evangelização, as políticas dos africânderes do século XX culminariam no vergonhoso episódio do apartheid. Em 1990, a Igreja Reformada Holandesa na África do Sul reconheceu publicamente seu erro em um documento denominado “declaração de Rustenburg”.


A influência nos Estados Unidos também merece atenção. Para se ter uma ideia da colonização holandesa, a cidade de Nova Iorque se chamava Nova Amsterdã de 1624 até 1674, depois que o tratado de Westiminster, elaborado após o fim da terceira guerra anglo-holandesa, cedia o território do Suriname aos Países Baixos. Entretanto, diferente da África do Sul por exemplo, os holandeses não estabeleceram uma igreja própria, por assim dizer.




5 – Os séculos posteriores na Holanda

Com os séculos XVII e XVIII dominados massivamente pelos calvinistas, a Igreja Reformada da Holanda teve poucas transformações. Ainda neste século, sofreu algumas reformas internas, durante a chamada Reforma Adicional Holandesa, influenciadas pelos puritanos ingleses, tendo alguns nomes destacados como o teólogo Gisbertus Voetius (1589-1676), conhecido por condenar a filosofia de seu contemporâneo Descartes, e o pastor Wilhelmus à Brakel (1635-1711), que se preocupou com a rápida decadência da fé viva na igreja de seu tempo.

O século XIX não foi menos problemático. A revolução belga (1830-1831), a luta pela independência da Bélgica, é marcado novamente pela disputa calvinismo x catolicismo. Os francos e demais habitantes da região consideravam Guilherme I e seu governo despótico, além de desfavorecer diversas liberdades, principalmente religiosas. A revolta foi o marco da independência da Bélgica, e a matriz católica permaneceu até hoje na região (metade da população belga se declara como católico, e apenas 2% como protestantes).


As questões nacionais da Holanda fizeram com que o calvinismo entrasse em declínio, observando diversas divisões dentro da Igreja Reformada, diante também do chamado liberalismo teológico. Um dos cismas foi liderado pelo teólogo Abraham Kuyper (1837-1920), que estabeleceu as Igrejas Reformadas na Holanda, que, diferente da Igreja Reformada Holandesa, não era apoiada pelo Estado. Kuyper é mais conhecido pelo termo “neocalvinismo”, que seria nada mais que uma reformulação ou até mesmo um avivamento calvinista, já que ele considerava que a influência do pietismo [7] tinham feito “adormecer” a fé em seu país. O neocalvinismo de Kuyper enfatizava a soberania de Jesus sobre todas as coisas, rejeitava o legalismo bíblico e colocou em pauta a chamada graça comum, que amenizava a crença na graça irresistível, principalmente no tocante do bem-estar universal. Contudo, em seu livro “Calvinismo”, Kuyper tece duras críticas aos demais credos, especialmente ao catolicismo e a falta de liberdade religiosa em países católicos (apesar de nos Países Baixos o livre culto de judeus, por exemplo, ser autorizado apenas em 1796). De 1901 a 1905, Kuyper ocupou o cargo de primeiro-ministro dos Países Baixos. Contemporâneo dele, Max Weber indicou, em seu estudo mais conhecido, que o calvinismo em si e principalmente a ênfase na dupla predestinação (conceito este que integra além da predestinação dos eleitos aos céus, a predestinação dos condenados ao inferno como consequência) haviam desenvolvido o espírito capitalista nos países protestantes e consequentemente a afirmação de que a graça se manifestava apenas nos eleitos por Deus, citando inúmeras vezes o caso holandês como mais ferrenho neste aspecto do que os outros países.


Já o século XX foi marcado pela ultrapassagem do catolicismo frente ao protestantismo, atribuído à constante secularização marcante deste século, em grande parte dissidentes das próprias igrejas reformadas. Neste período, podemos destacar Cornelius Van Til (1895-1987), filósofo calvinista, conhecido pela apologética pressuposicional, que, em outras palavras, se preocupa em defender o cristianismo como única base racional, concentrando, por exemplo, boa parte das ações apologéticas provando as falhas de outras religiões. Ele era membro da Igreja Presbiteriana Ortodoxa, sendo por isso influenciado pela teologia de BB Warfield.


A secularização influenciada pela política liberal com relação a aborto, drogas, prostituição e eutanásia causou um declínio ainda maior na fé holandesa, levando as principais denominações protestantes (luteranos e reformados) a se unirem. Em 2004, após a fusão das Igrejas Reformadas na Holanda e da Igreja Evangélica Luterana do Reino dos Países Baixos, surgiu a Igreja Protestante da Holanda (considerada tanto calvinista quanto luterana), tendo um número aproximado de 1,6 milhão de membros segundo dados de 2016. Um número inexpressível próximo ao de ateus e agnósticos, que gira em torno de 8,6 milhões (50,1% da população, segundo dados da mesma pesquisa). Curiosamente, a Bélgica, antigo território holandês e em boa parte católico, possui cerca de 1,7 milhão de ateus (14,9% da população).




6 – Considerações gerais

Diante dos fatos mais recentes associados a Igreja Reformada Holandesa, não seria uma previsão falaciosa dizer que seus números tendem a continuar caindo. Ainda que, proporcionalmente, não esteja próximo dos países nórdicos – que anteriormente poderíamos chamar de países luteranos – em números de ateus, as políticas liberais nacionais e europeias, principalmente após a onde imigratória e o consequente aumento do islamismo do início do século XXI, fazem com que o protestantismo Países Baixos viva em constante declínio. Uma conclusão quase bastante nítida é a estreita relação da teologia com a política, que pode ter contribuído com essa tendência.

A união entre as fés luteranas e reformadas calvinistas na Holanda representa algo significativo, talvez não para os nossos dias, já que, em 1529, a disputa de Marburgo [8] fracassou, mas talvez como um argumento de que a teocracia pode distorcer o real papel cristão no Estado. Não há discordâncias teológicas quando o principal mal é a diminuição da fé.




7 – Referências

BERNEY, RICHARD. The Thirty Years’ War, 1618–1648. Osprey Publishing, 2002.
CAIRNS, EARLE E. O Cristianismo Através dos Séculos. Ed. Vida Nova, São Paulo, 1995.
FENOULHET, JANE, GILBERT, LESLEY. Narratives of Low Countries History and Culture. - UCL Press, Londres, 2016.
GONZALEZ, JUSTO L. Uma História Ilustrada do Cristianismo vol. 6 – A Era dos Reformadores. Ed. Vida Nova, São Paulo, 1995.
HUGO GROTIUS. Câmara dos Representantes, Capitólio dos Estados Unidos. Washington, 1950. Disponível em: https://www.aoc.gov/art/relief-portrait-plaques-lawgivers/hugo-grotius
IGREJA REFORMADA HOLANDESA NA ÁFRICA DO SUL (NGK). Declaração de Rustenburg. Rustenburg, 1990. Disponível em: http://kerkargief.co.za/doks/bely/DF_Rustenburg.pdf
KUYPER, ABRAHAM. Calvinismo. Ed. Cultura Cristã, São Paulo, 2008.
MOREAU, A. SCOTT. Evangelical Dictionary of World Mission. Baker Books, Grand Rapids, 2000.
PETTEGREE, ANDREW, DUKE, ALASTAIR, LEWIS, GILLIAN. Calvinism in Europe, 1540-1620. Cambridge University Press, Cambridge, 1996.
WEBER, MAX. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Companhia das Letras, São Paulo, 2004.
WILSON, PETER H. Europe’s Tragedy: The Thirty Years’ War. Penguin Books, Londres, 2009.

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[1] - Sêneca (4a.C-65) – Advogado – assim como Calvino – e escritor do império Romano, é conhecido como proeminente do Estoicismo, ou a crença segundo a qual os seres humanos deviam aceitar o momento em que vivemos, sem interferir nele com nossos “desejos e angustias”. A teologia estoicista, por exemplo, levaria a conceitos como o panteísmo fatalista, ou determinismo cósmico, ou ainda o próprio naturalismo, já que nada poderíamos fazer para modificar as leis da natureza. Sêneca, contemporâneo de Jesus, supostamente, se correspondeu com o Apóstolo Paulo de Tarso.

[2] - Menno Simons (1496-1561) – Ex-padre católico, nascido na Frísia e símbolo do anabatismo nos Países Baixos a partir de 1536, talvez pela morte do irmão em conflitos anabaptistas na Alemanha. Esta violência característica da Reforma Radical parece ter sido suprimida dos seguidores de Simons, denominados menonitas, seita relacionada de onde surgiriam os amish,  e que possuem cerca de 2 milhões de membros no mundo, segundo dados de 2015.

[3] - Dirck Coornhert (1522-1590) – Erudito holandês nascido em Amsterdã, humanista e teólogo, conhecido pelo discurso da tolerância religiosa, escrevendo diversos artigos contra a pena capital de hereges. Foi um grande contribuidor da língua holandesa, já que Erasmo escrevia seus textos em latim – o que, sem dúvida, o tornou mais famoso. Assim como Eramo, Coornhert era a favor do livre-arbítrio, escreveu contrariamente à doutrina de predestinação em 1589. Deixou inacabada a tradução do Novo Testamento para o holandês antes de morrer.

[4] - Supralapsarianismo – O lapsarianismo é uma doutrina calvinista relacionada com a permissão divina da Queda do Homem, em relação ao plano de salvação dos eleitos, sendo defendida por alguns o supralapsarianismo, ou seja, a eleição e a condenação predeterminados antes da Queda, e por outros, o infralapsarianismo, onde os planos de Deus quanto a eleição foram feitos após a Queda.

[5] - Pelagianismo – Termo relacionado a uma doutrina de salvação, originado de Pelágio da Bretanha (350-423), que negava principalmente a graça divina e o pecado original. Combatido contemporaneamente por Agostinho de Hipona, foi considerada uma heresia em 418, no XV Concílio de Cártago. Seus discipulos supostamente usavam o texto de Deuteronômio 24:16 (os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu pecado) como argumento a favor; mais tarde, atribuído a João Cassiano, surgiu o semipelagianismo, que previa o nascimento da fé pela iniciativa de Deus mas com a posterior aceitação do homem (mais próximo do catolicismo e do arminianismo). Foi, assim como o pelagianismo, condenado no II Sínodo de Orange, em 526.

[6] - Hugo Grotius (1583-1645) – Jurista holandês, conhecido pelos conceitos de sociedades internacionais baseadas em leis e acordos, e também pelo conceito de livre comércio (principalmente no conceito de “liberdade dos mares”). No campo da teologia, defendeu o arminianismo e diversos conceitos (alguns controversos, como a teoria governamental) que anteriormente foram abordados por Coornhert, principalmente sobre tolerância quanto a questões doutrinárias, o que era visto como inadmissível para contemporâneos como Jacobus Trigland. Após os episódios da condenação e da fuga em um baú de livros, Grotius escreveu trabalhos filosóficos – principalmente durante seu exílio na França – que mais tarde influenciariam os arminianistas metodistas.

[7] - Pietismo – Movimento oriundo do luteranismo, mas que influenciou os reformados e diversos seguimentos do protestantismo no século XVIII, baseado na prática efetiva do cristianismo. Seu percursor, o luterano alemão Philipp Spener (1635-1705), acreditava que alguns pontos deveriam ser assimilados, dentre eles o sacerdócio universal, o estudo particular e devocional da Bíblia, a prática do cristianismo de forma visível e, o que talvez causasse maior controvérsia, o distanciamento da relação dos cristãos com o mundo (em seu tempo, algo inconcebível em virtude da relação Igreja Estado). Este movimento influenciou profundamente o início do movimento metodista de John Wesley e o protestantismo norte-americano de uma forma geral.

[8] - Disputa de Marburgo - Considerado um primeiro Concílio Protestante, o colóquio ocorreu entre 1 e 4 de outubro de 1529, no Castelo de Marburgo, na Alemanha. O debate central era a presença real de Cristo na Santa Ceia. Organizado por Felipe I de Hesse, integraram o debate, além de Lutero e Zwinglio, Stephan Agricola, Johannes Brenz, Martin Bucer, Phillipp Melanchton, Johannes Oecolampadius e Andreas Osiander. A principal motivação do príncipe era a de fortalecer os protestantes com fins políticos, mas, mesmo com quatorze pontos em comuns, não houve acordo por um único ponto: na Santa Ceia, Lutero acreditava no realismo do corpo de Cristo, e Zwinglio no simbolismo.







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Sobre Paulo Matheus

Esposo da Daniele, pai da Sophia, engenheiro, gremista e cristão. Seja bem vindo ao blog, comente e contribua!

9 Comentário:

victor disse...

Excelente texto !! Valeu 👊 🌷

ismael disse...

Ele foi decapitado como político e não como partidário dos remonstrantes.

7) O calvinismo, entretanto, é uma lembrança vaga. No Suriname, menos de 10% dos habitantes são considerados “reformados”, e na Indonésia, cerca de 7%.
R: Imagina se não fosse vaga essa lembrança, pois com um percentual bem menor de reformados no Brasil, até a maior denominação evangélica está atualmente sentindo os seus efeitos. Lembrando ainda que o cristianismo começou com 12 homens.

8) matando cerca de 150 católicos camponeses de duas cidades do Rio Grande do Norte, por não aceitarem o calvinismo.
R: LÁGRIMAS DE CUNHAÚ [A PROPÓSITO DA CANONIZAÇÃO DOS “PRIMEIROS SANTOS MÁRTIRES DO BRASIL”]
Recentemente, os jornais noticiaram a beatificação dos mártires de Cunhaú, no Rio Grande do Norte (1645), pelo papa João Paulo II. O massacre ocorreu durante as primeiras semanas do levante português contra a ocupação flamenga (1630-1654). Uma das notícias afirmou que essas horrendas atrocidades foram cometidas por ordem do governo holandês no Recife e orientadas por um pastor “calvinista”. Sem diminuir a monstruosidade do trágico acontecimento, convém lembrar pelo menos três fatos do contexto histórico daqueles dias de guerra que marcaram o começo do fim da ocupação holandesa do Nordeste.
Em primeiro lugar, cumpre observar que não foi o governo holandês que ordenou a chacina. O que ocorreu foi uma vingança por parte dos índios, ajudados por uma tribo indígena da Bahia, em reação às notícias que corriam sobre as crueldades dos portugueses. Desde o início da revolta (13/6/1645), cada vez ficava mais claro que, onde quer que os portugueses restabeleciam seu poder, uma morte terrível esperava seus adversários, especialmente os índios. Conseqüentemente, os “brasilianos” (como eram chamados os índios tupis) refugiaram-se nas proximidades das fortificações holandesas, consideradas inexpugnáveis. Outros decidiram evitar o desastre aparentemente inevitável e pegaram em armas. Foi isso que aconteceu em Cunhaú.
No Rio Grande, a população indígena consistia em grande parte de índios antropófagos (tapuias), sob a liderança do seu cacique Nhanduí. Para os holandeses, os tapuias significavam um bando de aliados um tanto inconstantes, pois eram um povo muito independente, que não aceitava ordens de ninguém, mas decidia por si o que era melhor para sua tribo. Um tal de Jacob Rabe, casado com uma índia, servia de ligação entre eles e o governo holandês.
Entre os indígenas do extremo Nordeste existia em geral um grande ódio contra os portugueses, sem dúvida pela lembrança dos acontecimentos anteriores à chegada dos holandeses, que eram considerados como os libertadores da opressão lusa. E, por várias vezes, esses índios quiseram aproveitar-se da situação de derrota dos lusos para vingar-se deles. Assim, em 1637, depois de Maurício de Nassau conquistar o Ceará, os índios procuraram matar todos os portugueses da região, que foram protegidos pelos holandeses, por meio das armas. A mesma coisa aconteceu no Rio Grande do Norte, em 1645. Os tapuias sentiram que, com o início da revolta contra os holandeses, havia chegado a hora da verdade: eram eles ou os portugueses. No dia 16 de julho, começaram por Cunhaú, massacrando as pessoas que estavam na capela e posteriormente, numa luta armada, os restantes.
Em segundo lugar, é preciso reconhecer que, de fato, o nome de um pastor protestante está ligado a esse episódio. Porém, de modo exatamente contrário

ismael disse...

daquele que se supõe: não foi ele quem orientou a chacina, antes, foi enviado pelo governo para refrear a selvageria dos silvícolas. Quando, no dia 25 de julho, o governo holandês no Recife soube dos terríveis acontecimentos do Rio Grande do Norte, enviou o Rev. Jodocus à Stetten, pastor “calvinista” alemão, capelão do exército, com o capitão Willem Lamberts e sua tropa armada “para refrear os tapuias e trazê-los [para o Recife], a fim de poupar o país e os moradores [portugueses]”. Os índios, porém, ficaram enfurecidos com os holandeses, não entendendo como estes podiam defender seus inimigos mortais, e até romperam a frágil aliança com os batavos. Antes de regressar para o sertão do Rio Grande, fizeram ainda outra incursão vingadora contra os portugueses, desta vez na Paraíba.
Em terceiro lugar, é importante lembrar o fim do algoz-mor de Cunhaú, Jacob Rabe. Alguns meses depois do massacre, esse funcionário da Companhia das Índias Ocidentais, que havia recebido o pastor Jodocus de pistola em punho, foi morto por ordem do próprio governador da capitania do Rio Grande do Norte, Joris Garstman. O capitão Joris era casado com uma senhora portuguesa que havia perdido muitos parentes em Cunhaú.
Esses três fatos complementares não diminuem em nada o sofrimento dessas vidas inocentes esmagadas entre as pedras de moinho de uma luta armada. Porém, talvez possam eliminar em parte o veneno da história, por nos permitirem entender melhor o contexto daqueles dias cheios de angústia para ambos os lados. Escrever história objetivamente é muito difícil, mais ainda quando se trata de um caso controvertido como este, com muitos pormenores desconhecidos. Mas afirmar, como foi feito por certos porta-vozes, que as barbaridades de Cunhaú foram perpetradas a mando do próprio governo holandês, e ainda por cima orientadas por um pastor evangélico, simplesmente não corresponde à verdade.

9) que estabeleceram inclusive uma língua própria
R: O africâner[1], africânder[1], africanse[2][3] ou afrikaans é uma língua do ramo germânico do grupo indo-europeu falada na África do Sul e na Namíbia.[4][5][6] Desenvolveu-se durante o período em que a Holanda (Países Baixos) colonizou uma parte da África, o que levou ao desenvolvimento da língua, que é baseada no neerlandês. Ela não é uma criação (tal como o élfico, que foi criado por Tolkien em seus livros), ela é um desenvolvimento de uma língua.

10) escravidão durante o período colonial, utilizada como meio de evangelização, as políticas dos africânderes do século XX culminariam no vergonhoso episódio do apartheid.
R: Certamente que o apartheid é uma vergonha para qualquer calvinista (e existe alguma tradição teológica em que seus filhos são anjos perfeitos?), eu me pergunto de onde você tirou essa idéia de que isso era evangelização por parte dos calvinistas holandeses? Será que podemos chamar então a pedofilia por parte de padres católicos também de evangelização, já que a maioria de casos de pedofilia envolvem o clero católico?

11) As questões nacionais da Holanda fizeram com que o calvinismo entrasse em declínio.
R: e quais seriam estas “questões nacionais”?

12) a chamada graça comum, que amenizava a crença na graça irresistível

ismael disse...

R: Aqui você comete um terrível erro (poderia ter evitado esse erro, caso fosse diretamente as fontes originais). A Graça Comum refere-se ao fato de que Deus faz chover sobre a horta de ímpios e justos, que Deus dá o pão para justos e ímpios, que Deus retém a maldade na sociedade de justos e ímpios. A Graça Comum tem a ver com a vida em sociedade. Já A Graça Irresistível tem a ver com a salvação. Significa tão somente que quando aprouver a Deus, Ele retira o coração de pedra do pecador e em seu lugar pões um coração de carne. Com o coração regenerado, o pecador não resiste a graça de Deus. Enquanto o coração do pecador não for regenerado, o pecador continuará resistindo a Deus.

13) Contudo, em seu livro “Calvinismo”, Kuyper tece duras críticas aos demais credos, especialmente ao catolicismo e a falta de liberdade religiosa em países católicos (apesar de nos Países Baixos o livre culto de judeus, por exemplo, ser autorizado apenas em 1796)
R: mais uma vez, você se esquece do Cujus regio, eius religio, que já estava caindo em sua época, em países protestantes. Porém em países católicos só cairia bem mais tarde.

14) A secularização influenciada pela política liberal com relação a aborto, drogas, prostituição e eutanásia causou um declínio ainda maior na fé holandesa
R: Este fenômeno tem atingido toda a sociedade ocidental. Veja que diversos países majoritariamente católicos têm aprovado o aborto (recentemente a catolissícima Irlanda). Isso não é de maneira nenhuma exclusividade dos calvinistas holandeses.

Considerações gerais
R: O número de teístas está caindo vertiginosamente em todo o mundo ocidental. Mesmo países como Brasil, México, Itália ou EUA, outras potencias cristãs estão nitidamente diminuindo. Creio que faltou esta observação em seu estudo.

Minhas considerações finais a esta publicação são duas: vá sempre nas fontes do seu objeto de estudo para ver se realmente é como os seus oponentes relatam. Segundo continue estudando, pois na sua publicação ei vi que você não está longe da verdade.

Ismael Bezerra
Paz e Bem.

Referencia
http://www.monergismo.com/textos/arminianismo/breve_historico_arminianismo_tokashiki.htm

https://www.gevangenpoort.nl/en/story/johan-van-oldenbarnevelt-beheaded

Revista Ultimato – Edição 264 (Maio-Junho 2000)

Igreja e Estado no Brasil Holandês (Cultura Cristã: 2004).

Calvino e sua Influencia no Mundo Ocidental (Cultura Cristã)

Wikipedia

Paulo Matheus disse...

Acredito que uma de suas mensagens esteja cortada, pois você inicia os tópicos a partir do item 7, logo, não sei qual seria sua opinião inicial. Já adiantando o que apontou como problema no final, as fontes para uma pesquisa precisam ser históricas, reconhecidas como imparciais e relevantes. Pois bem, os dados estatísticos são relativos, mas mostram muito quando avaliando dentro do contexto.

O que ocorreu no Rio Grande do Norte pode ser difícil de classificar. Mas o que está no texto veio de uma fonte, então, reclame principalmente com a Arquidiocese de Natal.

Sobre a língua afrikaner, você parece estar correto. Irei modificar no texto.

Sobre a escravidão como meio de evangelização, não acha que a própria escravidão é um mal terrível por si só? Se eles evangelizavam, pode ser encarado como "algo" positivo.

As questões nacionais são as que conhecemos: é cultural nos Países Baixos guardar suas opiniões para si. Que nação cristã considera isso como plausível? Nenhuma, de fato, a menos que o próprio país queira abolir qualquer crença, tal como ocorre hoje lá.

Sobre a graça comum, acompanhe: qual o motivo de Kuyper em criar tal doutrina (esqueça a explicação de que 'ela sempre existiu')? Ora, essa dúvida não será sanada lendo o próprio 'ministro das viagens exteriores'. A conclusão, se você analisar o contexto do século XIX em que se é referido no texto, era que a graça irresistível tornava a graça algo exclusivo dos eleitos, não apenas no quesito teológico teórico, o que cabe uma discussão particular, mas na percepção prática visível (daí, segue a conclusão de Weber para com essa implicação).

Ao citar "Cujus regio, eius religio", você enquadra o calvinismo como sendo um parâmetro de diminuição, e não a religião em si. Faça um cálculo por si, de quanto se diminui a fé entre as religiões apenas e verás que ela diminui mais em países (influenciados por) reformados e luteranos (se não fosse por isso, não teriam se unido na Holanda) que em países católicos. Compare na própria Europa. Compare com o ex-território Bélgica. Tome por base este artigo (https://en.wikipedia.org/wiki/Religion_in_Europe), acompanhe os dados do "Eurobarometer survey 2019" e compare com catolicismo/ortodoxia.

Pelo que entendi, você questionou o fato de Oldenbernevelt ter sido executado politicamente, ainda que isso tenha ocorrido após o sínodo de Dort. Se o sínodo era político, o coloca em dúvida sobre sua originalidade e fidelidade teológica, e, se não, Oldenbernevelt foi morto por tomar o partido dos remonstrantes, pura e simplesmente. Terás que optar por uma conclusão. Não sou eu quem diz, é da própria fonte que você me apontou:

"... um conflito religioso sobre a interpretação da Bíblia eclodiu entre dois professores de teologia. Isso levou a uma luta entre os "Remonstrantes" e os "Contra-Remonstrantes" (protestantes ortodoxos). Van Oldenbarnevelt ficou do lado do primeiro, enquanto Maurice ficou do lado do último. Van Oldenbarnevelt temia um golpe do Príncipe, que agora finalmente espiou sua chance de se livrar de seu oponente político. Junto com outros, incluindo Hugo Grotius, ele mandou prender Van Oldenbarnevelt por traição, alegando que ele havia 'violado a paz da Igreja e do Estado'".

Infelizmente, irmão, você está sendo muito parcial. Existem vários exemplos no texto que você não citou como sendo inverídicos e não reconheceu nada de bom que está presente no texto, como se ele fosse um artigo de difamações apenas. Isso é comum em muitos reformados que não conseguem enxergar como irmãos outras tradições, se não sob situações embaraçosas (como na própria Holanda). Reforçando, o teor do artigo foi apenas enfatizar o calvinismo prático nos Países Baixos, não o teórico, logo, eu preciso consultar fontes históricas e dados estatísticos, e não a opinião dos próprios calvinistas, sob pena de perder a parcialidade.

Ainda assim, muito obrigado pelo seu tempo e pelo seu comentário.

Que Deus te abençoe.

Paulo Matheus disse...

http://arquidiocesedenatal.org.br/historia-martires-de-cunhau-e-uruacu

ismael disse...

Sim ,realmente saiu cortado. Eu publiquei 3x mas só saiu esta parte. Mas segue algumas observações sobre as suas respostas:
1) O que ocorreu no Rio Grande do Norte pode ser difícil de classificar. Mas o que está no texto veio de uma fonte, então, reclame principalmente com a Arquidiocese de Natal.
R: Eu transcrevi e lhe mostro que existe outra fonte: https://www.ipb.org.br/informativo/as-lagrimas-de-cunhau-4160
O autor é ministro da Igreja Reformada da Holanda e ex-missionário no Brasil. É um estudioso da presença holandesa no nordeste brasileiro, tendo escrito o livro Igreja e Estado no Brasil Holandês. O presente texto foi publicado originalmente na revista Ultimato (maio-junho 2000).

Você está certo em colocar a fonte que mais lhe agrada, só não pode omitir que existe outras fontes. Deixe que o leitor do seu blog veja as duas fontes e ele mesmo tire suas próprias conclusões.

2) Sobre a escravidão como meio de evangelização, não acha que a própria escravidão é um mal terrível por si só? Se eles evangelizavam, pode ser encarado como "algo" positivo.
R: A questão não é essa. A questão conforme eu coloquei é que nenhuma tradição cristã pode dizer que não participou desta desgraça. Calvinistas tinham escravos, arminianos tinham, anglicanos tinham, luteranos tinham. Assim também como membros destas mesmas tradições lutaram contra a escravidão. Ela nunca foi meio de evangelização. Se foi, somente calvinistas usaram?

3) a graça irresistível tornava a graça algo exclusivo dos eleitos, não apenas no quesito teológico teórico, o que cabe uma discussão particular, mas na percepção prática visível (daí, segue a conclusão de Weber para com essa implicação).
R: Por você não ser calvinista, você não entende. Mas vou lhe explicar mais uma vez. Graça Irresistivel é somente dos eleitos. Graça Comum é de todos e não tem nada a ver com a salvação. A Graça Comum tem a ver com a vida aqui e agora (Deus dá doenças a eleitos e não eleitos. Deus dá saúde para eleitos e não eleitos. Deus dá pobreza para eleitos e não eleitos. Deus dá riquezas para eleitos e não eleitos etc.). Weber não entendeu isso. Mas uma vez eu te convido a pesquisar nas obras de calvinistas e não em obras de sociólogos ateus. Ademais, podemos conhecer qualquer igreja sob a ótica de escritos de sociólogos? Eu respondo que não. Devemos ir sempre as fontes.

ismael disse...



4) Ao citar "Cujus regio, eius religio"
R: Me desculpe se não ficou claro o que eu quis dizer. Mas o que eu quis dizer é tão somente que Odenbarnevelt foi decapitado e os arminianos expulsos da Holanda tão somente porque o partido vencedor era calvinista. Se o partido vencedor fosse o arminiano, teria acontecido a mesma coisa. É deplorável o que aconteceu na Holanda tanto quanto o que aconteceu em Genebra no caso Servetus. Mas era o que ocorria naquela época.

5) Pelo que entendi, você questionou o fato de Oldenbernevelt ter sido executado politicamente,
R: já respondido no quesito “4”.

6) Infelizmente, irmão, você está sendo muito parcial. Existem vários exemplos no texto que você não citou como sendo inverídicos e não reconheceu nada de bom que está presente no texto, como se ele fosse um artigo de difamações apenas.
R: Não, meu querido. Eu coloquei o outro lado que não foi citado (como o episódio de Cunhaú. Creio que somente na eternidade podemos esclarecer este episódio, mas não devemos ignorar que existe outro lado da história). Se o texto não tivesse nada de bom, eu não teria me dado ao luxo de responde-lo. Sim o texto é bom, mas precisa ser contrabalançado com o outro lado.

7) Isso é comum em muitos reformados que não conseguem enxergar como irmãos outras tradições
R: meu parâmetro para considerar alguém como cristão é se essa pessoa subscreve em suas crenças o Credo Apostólico. Não sou ecumênico, mas eu acredito que exista salvação no catolicismo romano, na ortodoxia oriental, no pentecostalismo, no arminianismo. Agora se é um erro terrível muitos reformados achar que somente o seu grupo é cristão, devo lhe dizer que este erro não é exclusivamente de calvinistas.

8) logo, eu preciso consultar fontes históricas e dados estatísticos, e não a opinião dos próprios calvinistas, sob pena de perder a parcialidade.
R: De fato, não faça isso. Em suas pesquisas consulte sempre documentos produzidos pela outra parte em questão, pois opiniões vem e opiniões vão. Mas os documentos permanecem. E sobre qualquer assunto que se pesquise, existe sempre os dois lados.
Eu mesmo estou pesquisando mais profundamente sobre este assunto e lhe recomendo o livro: Teocracia e Tolerância traz um relato envolvente das principais controvérsias dentro do Calvinismo holandês, entre os anos 1600 e 1650. ( este livro foi escrito por um arminiano erastiano). Pretendo ainda adquirir os livros: O Sínodo de Dort (de uma editora pentecostal e arminiana) e o livro Crise nas igrejas reformadas (de uma editora calvinista e cessacionista).


Ismael Bezerra
Paz e Bem.

Paulo Matheus disse...

Olá Ismael,

Provavelmente, não chegaríamos a lugar algum nos pontos 1 e 2, ainda que a situação que envolve a África do Sul seja embaraçosa particularmente ao calvinismo, diferente dos EUA, que era a parte mais diversificada e difícil de explicar da escravidão, religiosamente falando (exceto em partes pontuais de tensão, como Whitefield e Wesley, e Finney e Hodge).

A questão da graça também eu prefiro deixar passar. Existe agora até a Graça Futura, de Piper, mas confesso que não entendo essa necessidade de segmentar a graça, a não ser pelas implicações práticas que elas envolvem (daí, por vezes, é preciso o olhar sociológico, ainda que venha de um ateu).

De um modo geral, o fato de eu ter escrito algo apenas em relação ao calvinismo na Holanda, e não um artigo mais geral, citando seus efeitos em outros lugares (talvez o exemplo do puritanismo inglês seja uma ideia interessante neste sentido), é exatamente por um desconhecimento generalizado que é espalhado por alguns reformados. Destaco aqui, mais precisamente, o Franklin Ferreira, que escreveu um livro de história do cristianismo, onde o Sínodo de Dort é retratado de forma bastante favorável ao calvinismo no país, até mesmo como algo honesto e conciliador - que não é verídico. Entretanto, dificilmente temos acesso a historiadores cristãos como Schaff, que é mais honesto e parece retratar apenas o que aconteceu, sem fantasiar como faz o FF.

Não sou calvinista, mas isso não significa que sou contra Calvino, como alguns arminianos são (também não sou arminiano). E concordo contigo, haverá salvação independente da corrente teológica. Considero sempre bom e saudável as críticas a um sistema teológico, por exemplo Chesterton ao calvinismo, ainda que eu não seja católico, Ryle ao catolicismo, ainda que eu não seja calvinista, C.S. Lewis ao catolicismo e calvinismo, ainda que eu não seja arminiano. O problema é que, ao menos na maioria dos casos, os arminianos, na sua maioria não o sabem que são, até aparecer um reformado para lhe dizer (ou repreender). Igreja pentecostais são responsáveis pelo crescimento do evangelho no mundo atualmente. Talvez seja mais útil aprender com eles do que investigar se a soteriologia que pregam está correta. Não estou livre de erros, obviamente, mas acredito na catolicidade da fé.

Espero que entenda o ponto aqui.

Vou ver estas fontes que citaste. Este "Teocracia e Tolerância", ao meu ver, pode estar pendendo para o lado arminiano da história. As vezes, sempre com cautela, é bom pesquisar o ponto de vista dos historiadores especialistas no assunto, que normalmente são ateus (como esse "Narratives of Low Countries History and Culture") e também indicaria o Jonathan Israel (The Dutch Republic), que parece fazer um retrato mais "seco" (mas leia com ressalvas, pois ele, um tipo de iluminista, não parece crer em benefício algum do mundo teocrático, o que também não é uma verdade).

Enfim, acho que seria isso. Que Deus te abençoe irmão.